sexta-feira, 25 de novembro de 2011

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

domingo, 5 de setembro de 2010

O CRISTO REDENTOR LAMENTA. E CHORA.

Pão de açúcar. Sol. Turismo. Esse é o panorama do Rio de Janeiro na praia paradisíaca de Ipanema, Leblon e outros locais de encontro turístico. Atores, surfistas e gringos passeiam em lugares aonde uma água de coco chega a custar o mesmo que o salário semanal de um subempregado.
Um turista holandês e aventureiro conheceu as praias do litoral, mas pretende ver toda a cidade, e decide caminhar por sua própria conta. Caro amigo gringo, não o faça. Não o faça se ainda tens afeto pela tua vida. Não serás recebido nos morros da forma como o és nas praias, minto, tu não és recebido, teu cartão de crédito que é cobiçado. Evidentemente, não deverás visitar os barracos localizados a menos de meio quilômetro do glamouroso Rio de Janeiro. Glamour, sim, essa é a palavra indicada para a exuberante maquiagem que emana dessa cidade. Apenas maquiagem. O rosto do Rio mostra a miséria e a criminalidade, ocultos por trás do invejável e maravilhoso litoral.
Casebres se situam em morros com profunda declividade, sem assoreamento nem vegetação, colados uns nos outros, no intuito de ocupar o máximo espaço possível. Na década de 50 a instalação de favelas foi incentivada pelo prefeito, vista como “solução” e não como “problema”. E ali se instalaram multidões de pessoas.
Engenheiros e arquitetos há tempos que avisam do perigo desse estado. Nada foi feito. Enfim, as mortes anunciadas de García Márquez ocorreram. Durante os meses de março e abril uma chuva descomunal se alastrou pela cidade, houve deslizamento de terras, destruindo sem piedade os frágeis barracos.
A miséria e o desespero se espalharam como a epidemia da gripe aviária nas primeiras décadas do século XX. Perdas de imóveis, lojas alagadas, carros e motos destruídos; mas isso não é o pior, pois perdas materiais podem ser recuperadas com esforço e dedicação. A pior humilhação é a humana: mortes, falta de água potável, fome, estados de saúde degradantes, crianças desnutridas e traumatizadas, proliferação massiva de doenças. Feridas físicas são recuperadas, porém, essa humilhação psicológica permanece e não sara, da mesma forma que um prego deixa uma marca permanente na madeira. Traumas e más recordações não desaparecem jamais, instalando-se na mente dos mal-afortunados por toda a vida. Para cúmulo, o Estado demorou para atuar, como de costume.
As cifras astronômicas dos tesouros públicos permaneceram imutáveis durante essa catástrofe. Lya Luft comenta em uma de suas impactantes crônicas: “Qual é a real destinação das imensas cifras do impostômetro senão atender às urgências do seu povo?”. Em pleno setembro, falta pouco tempo para as eleições, e os candidatos a postos de poder na política não poupam em propaganda, autopromoção e canções diversas em carros de som. Interessante, eles agora estão presentes cada dia em uma cidade, com os gestos e palestras mais carismáticos, paparicando o povo, evento que se dá com a mesma freqüência do ano bissexto: a cada quatro anos. Porém, pouco se soube deles durante os acontecimentos que deram lugar à destruição de residências no Rio, e durante as chuvas intensas e destrutivas do Nordeste. Altruísmo tem que predominar para governar um país com abismos sociais, onde nós nos apoiamos na beira dos mesmos.


A lavadeira carrega um turbante na cabeça, veste panos rasgados e prendas de roupa, ela se dirige ao rio, para se encontrar com as outras lavadeiras. O rio, denominado Potengi, onde todas elas realizam a lavagem já está saturado de tantas lavagens; o leito do rio se converte em um cemitério fúnebre, e as bactérias passam a comandar as águas abandonadas. Após o serviço ser completado, a lavadeira volta para casa, limpa-a e atira as águas para as ruas do bairro da Ribeira. Um jumento que comia capim se assusta com a água suja que cai ao seu lado e relincha, se deslocando desorientado.
Dois meninos vestidos com bermudas e sem camiseta, imundos, entram correndo na casa, um deles com uma bola na mão. Os dois são recebidos com gritos pela mãe, reclamando com os rapazes por entrarem com os pés sujos.
- Que horas papai chega? – Perguntou o menor.
- Daqui a pouco ele chega... deve estar num engarrafamento na Bernardo Vieira.
As águas que a lavadeira e mãe de família atirou para as ruas públicas não são as únicas. Todas as mães o faziam, e o odor fétido invadia as moradias, as ruas se entupiam de lama e ratos e insetos se proliferavam com uma facilidade fora do comum. Tipicamente uma cena medieval, quando após os anos de ostracismo feudal as cidades voltavam a renascer ao redor dos rios. O senso de higiene era precário, o povo se vestia com panos velhos e manchados e os animais passeavam e defecavam onde mais lhes conviesse.
Um momento... Ribeira? Potengi? Engarrafamento na Bernardo Vieira? Esses lugares e fatos sequer existiam durante a Idade Média! Eles coexistem apenas na cidade de Natal do século XXI, a famosa época das telecomunicações e do capitalismo global. Porém, ainda existem pessoas cujas condições de vida remetem à idade média. As águas percorrem caminhos sinuosos e inundam as ruas, insetos vetores de doenças e ratos vivem livremente, vermes também se proliferam. Doenças aqui e aculá; e a ignorância a qual esse povo está submetido os impede de associar desnutrição, verminoses e febres à falta de higiene, e a peste negra endêmica, denominada nas regiões carentes de “surto de dengue” se alastra não só na microrregião, mas sim por toda a cidade. Vale lembrar que o mosquito transmissor não conhece a hierarquia urbana, o inseto não difere um burguês de um operário.
Um estado de calamidade é o que lhe espera ao próximo presidente, ao próximo governador e para outros senhores de gabinete, e espera-se que em 2010 mudanças possam ser promovidas. Não pense o caro leitor que um profundo sentimento de pessimismo me invade, contudo, este país, cuja economia foi considerada a oitava maior do mundo, ainda deve se homogeneizar de mais em relação à condição social. E a denúncia é a maneira que encontro para fugir da apatia e da indiferença. Enfim, no topo do pão de açúcar jaz o Cristo Redentor, observador dos lugares mais recônditos do Brasil, e ao perceber o estado em que está o país de dimensões continentais, lamenta a situação. E chora.

domingo, 9 de maio de 2010

DEDICATÓRIA AO DIA DAS MÃES

- Eu não pagarei escola particular para que meu filho seja reprovado, passe-o ou eu o tiro dessa escola! – Quem falava era a mãe de um rapaz de sete anos. Estava furiosa e falava de forma eloqüente. O menino foi reprovado em dez matérias, e a mãe não admitia que isso estivesse acontecendo em colégio privado. – Esses professores são muito incompetentes, não são capazes de ensinar ao meu filho o que ele precisa!
Asdrúbal então olhou para o solo, aparentemente reflexivo, colocou as mãos no bolso e tirou seu celular e levantou-o para que a mãe inflexível o visse.
- Minha senhora, eu gostaria que o conhecimento fosse como este celular e as cabeças humanas fossem baús. – Gorete, a mãe do garoto, olhou para o professor à sua frente perplexa e confusa, sem entender bem o que ele queria dizer. – Se assim fosse, abriria a cabeça do seu filho, introduziria o conhecimento e fecharia, da mesma forma como se guarda uma jóia, porém, infelizmente não é assim.
- Olha aqui... garoto, eu não sei do que você está falando, mas eu passo o dia inteiro trabalhando para pagar uma escola boa pro meu filho, então eu quero a aprovação dele. – Disse a mulher, um pouco menos alterada.
Asdrúbal era um professor jovem, mas se preocupava muito com o rendimento e com a educação de seus alunos. Ao olhar um professor tão jovem lecionando, e carregando a responsabilidade de educar o seu filho, Gorete o olhava com receio, mas não se atrevia a tachá-lo de inexperiente.
- O que eu quero lhe dizer, mãe guerreira, é que adquirir conhecimento é uma tarefa árdua e constante, e depende em sua grande maioria da pessoa a qual o capta. As notas baixas de seu filho é fruto do esforço dele a cada dia. Eu não posso fazer a prova por ele, pois é a sabedoria dele que deve ser testada. Seria muito fácil se chegasse à sala de aula e introduzisse meus saberes na cabeça de todos meus alunos, mas isto é impossível. A evolução acadêmica de seu filho deve ser conseqüência de sua atenção, esforço e dedicação, se ele não cumprir estes requisitos não espere que as instituições escolares o façam por ele. – Ditas estas palavras, reinou na sala um silêncio sepulcral, interrompido apenas pelo barulho do ar acondicionado.
- Está dizendo que a culpa de meu menino não estar aprendendo é dele e não dos professores? – Perguntou Gorete, mais calma ainda.
- É o que eu quero lhe dizer, os professores se encarregam ao máximo para lecionar, e depende do aluno captar ou não, questionar, tirar suas dúvidas e crescer como pessoa e estudante. Eu estaria lhe enganando se seu filho tirasse um dois na prova de matemática e eu lhe conferisse um sete, pois ele não está apto para continuar adquirindo conhecimentos cuja base jaz nessas provas anteriores.
- Professor, o senhor me convenceu, não posso cobrar de vocês, devo antes olhar para meu próprio filho.
- Guarde isto, não só para seu filho, mas para qualquer pessoa que queira escutar. A sabedoria é uma jóia valiosa, mas a diferença das outras, ela não ocupa espaço e, portanto, não pode ser furtada. Aí jaz toda a sua grandeza, conhecimento pode ser obtido todos os dias em todos os momentos, por isso eu dedico minha vida a enriquecer e obter uma visão mais ampla do gigantesco mundo que nos rodeia. Sinto prazer em poder compartilhar esses saberes com meus alunos, é uma pena que nem todos sintam o mesmo gosto.
A mãe do garoto então se levantou com um sorriso discreto no rosto e saiu da sala se despedindo educadamente. Asdrúbal então sentiu um fervor dentro de si, sua auto-estima se elevou ao ponto dele sorrir sozinho, compartilhando essa felicidade consigo mesmo.

“Esse texto é dedicado a todas as mães que trabalham o dia inteiro, batalham para satisfazer aos seus filhos e mesmo assim, os auxiliam na árdua tarefa de enriquecer suas mentes. Parabéns!”

Kalefka, 2º capítulo

Em contraste com os arredores, o clima em terra firme já era mais agradável e solene. O sol costumava se apresentar na maioria dos dias, a temperatura era suportável e a amplitude térmica era pequena, típica de um país tropical. Não havia registros na história da ilha de nenhuma catástrofe natural relevante. Contudo, os pescadores só se atreviam a pescar nos caudalosos rios, nunca no mar.
Os bosques eram outra característica peculiar, que diferenciava Kalefka dos outros lugares do mundo, pois não era a cidade ou a população da ilha que os aventureiros europeus desejavam explorar. Havia entre eles uma lenda que contava sobre a “ilha do ouro sem fim”. Era algo que despertava a ambição dos mais modestos tripulantes, que viam nessa lenda uma forma de poder ascender na vida. Os colonizadores que extraiam ouro nas Índias e na América, se atormentavam com o fato de algum dia todo aquele metal precioso acabar, e cedo ou tarde a fortuna desabaria, e sofreriam as conseqüências. Ninguém que adentrou na névoa em busca da ilha saiu com vida, pelo menos não oficialmente. Conta-se entre os náufragos que lá existem abacateiros anormais. Não porque tenham algum sabor fora do comum, além disso, uma pessoa que apenas comesse o abacate não o diferenciaria de outro qualquer. Mas o segredo está na semente. Da mesma forma que o planeta Terra é uma esfera e tem um núcleo pequeno e denso, a semente do abacate compartilha as mesmas características, diferenciando-se pela pequena pepita de ouro no centro. E essas misteriosas árvores crescem naturalmente nos bosques. Não é em vão que tantos metalíferos arriscam suas vidas nessa viagem sem rumo.
Os habitantes de Kalefka não encontraram nenhuma utilidade àquele metal brilhante. Apenas o rei e a nobreza o usavam em seus luxuosos castelos e robustos móveis. Mas com a falta de um comércio externo que pudesse valorizar o ouro, seu uso permaneceu sempre estético, sem maiores vantagens. Por isso, os membros mais ricos da cidade o eram não por possuir o metal mais buscado, mas sim por exercer um poder autoritário e inflexível para com o povo, que há muito tempo deixara de ser nômade.
Portanto, existia uma civilização bem organizada na ilha. Contudo, assemelha-se ao sistema feudal europeu, apenas sem trocas comerciais com outros feudos. Pode-se dizer até que reinava o absolutismo, pois o rei era “o escolhido do Deus”. Assim, o monarca ditava as regras que vinham, segundo ele, direto do céu. Abaixo da figura primordial do rei, estava a nobreza, que constituía sua família e seus amigos. Logo abaixo, estava o clero, que se encarregava de celebrar as comemorações religiosas e alienar o povo, vangloriando a figura do poder absoluto como representante do Deus supremo. Como sustentáculo dessa sociedade, está a plebe, que representa aproximadamente dois terços da população. Eles financiavam as luxuosas construções da nobreza e as vastas igrejas. Suavam todos os dias para que a elite se deliciasse com banquetes variados e saciassem sua gula. Mas eles não se importavam, pois a igreja, difundindo temor, dor e desesperança aos infiéis, se encarregava de orientar a mentalidade do ignorante povão. No local existia um comércio fluente, uma agricultura de bom rendimento, e o gado era rico e saudável. Porém, aos produtores lhes restavam apenas dois quintos de suas produções. Eles se sufocavam trabalhando, suando à luz do sol, enquanto os ociosos da nobreza, o rei e o clero se permitiam dormir doze horas por dia.
Definitivamente, esses aldeões não precisavam dessas sanguessugas. Sorte que eles nunca pegaram em armas. Mas a cidade tinha ferreiros, carpinteiros e fogueiros, então, toda a estrutura para fabricá-las, sorte que o povo ainda era pacífico e alienado. Diante da situação, o povo poderia algum dia refletir sobre o porquê de sua existência ser assim, e se perguntar por que os revoltosos desapareciam sem explicações. Ao parecer, o rei controlava a manada da melhor forma possível, pois ele dominava sem que o povo percebesse que estava sendo dominado. Contudo, essa estrutura poderia mudar quando algum indivíduo carismático e inteligente tirasse as vendas dos olhos da multidão.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Serviço de enlatamento público

Outro dia de férias está passando, e eu sem nada para fazer e com fome, me dirijo à cozinha. Abro a despensa e o primeiro que vejo é uma lata de sardinhas; a utilizarei então. Abri o pão, despejei um pouco de azeite no mesmo e depois abri a lata de sardinhas... E que surpresa! Apesar de a latinha ser tão pequena, o conteúdo de alimento é excepcionalmente gigante! Ao vê-las tão comprimidas, espremidas, com a ausência de qualquer fonte de ventilação e com um cheiro desagradável tive pena daqueles peixes. Ah, que raios, esses animais estão mortos! Contudo, não queria eu ter de passar pelo desconforto das sardinhas.
Mais tarde no mesmo dia sai e fui à parada de ônibus. Eram mais ou menos as 18:00, por algum motivo que desejo não recordar, estava apressado. Passavam vários ônibus, um atrás do outro, mas aquele no qual eu subiria insistia em demorar. Quanta mais pressa temos, mais longa é a espera. Ao cabo de trinta minutos agonizantes, apareceu enfim o esperado ônibus, subo, sem antes amaldiçoá-lo e praguejá-lo até faltar-me saliva.
Aterrorizo-me ao constatar no número de pessoas em um recinto daquele reduzido tamanho, passei então por duas escadas, pois a compressão na qual as pessoas se encontravam me impedia avançar. Estava feliz por não ter que me espatifar daquela maneira. Enganei-me. Na parada seguinte subiu mais gente, e tive que filiar-me à regra daquele veículo barulhento. Apoiado com apenas um braço, sem ter o que fazer, lembrei-me do sufoco das sardinhas, “mas desta vez acontece com seres humanos vivos” pensei. Apertado, impaciente e sentindo um pudor desconfortante, essa era a forma com que tinha que me deslocar na cidade, e ainda ter a sorte de poder colocar um braço num dos ferros do ônibus.
E a STTU ainda tenta estimular os cidadãos a usarem o transporte público. Mas qual é o prazer em andar numa lata de sardinhas humanas como essa? Ainda mais com os preços em contínua ascensão. Há menos de dois anos valia R$1,75 e em questão de um ano e meio aumentou para R$ 2,00 em dois aumentos consecutivos. Posso reconhecer que uma das melhoras foi a renovação dos veículos, mas a frota continua com o mesmo número de ônibus. Então, a inquietante espera dos natalenses em nada mudou. A diferença de Recife, onde as passagens são mais baratas e a freqüência é muito maior. Em Fortaleza idem. Calamidade, esse é o nome que recebe o transporte público de Natal.
De todo o investimento que receberá Natal para sediar a copa em 2014, nada será investido na melhoria do transporte coletivo. “O que há agora é suficiente para atender a demanda” Essas foram as palavras do secretário de mobilidade urbana, Kelps Lima, em entrevista concedida ao jornal Novo. Segundo ele, os recursos serão utilizados para melhorar as rodovias atuais e realizar outros desdobramentos. Com todo respeito, mas como a frota total de hoje vai suportar a imensa quantidade de turistas e locais, se agora mal dá conta dos locais? Natal vai ser a única cidade do nordeste que não investirá em seu transporte coletivo.
De fato, as empresas de ônibus pretendem implantar uma inovadora e inédita maneira de se enlatar sardinhas. Por isso, a criação desse programa visa obter uma forma mais eficiente e de baixo custo, havendo maior rendimento e lucro.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Kalefka (1º capítulo)

No ponto mais ocidental do globo terrestre existia uma ilha de restritas dimensões. O acesso a esse lugar tornava-se difícil e pouco freqüente. O mar furioso açoitava as rochas do litoral da ilha com bravura. Além do litoral, as constantes correntes marinhas aliadas à desconcertante neblina faziam com que os navegantes mais experientes morressem na tentativa de encontrar tal lugar. A neblina era um fluido espesso, não permitia a visão a mais de três metros, rico em vapor d’água e pobre em oxigênio livre. Por isso, respirar nesse mar era uma tarefa que poucos resistiam.
Quando os grandes comerciantes europeus desenvolveram tecnologias úteis como mapas e bússolas, decidiram voltar a procurar aquela lenda viva. De pouco lhes serviu. Para dificultar o encontro da ilha, os arredores da mesma tinham um mecanismo que impedia a pesca e o funcionamento das bússolas. Pois o lugar era rico em animais chamados peixes-gato, que comumente são venenosos. Além disso, eles emitem descargas elétricas alternadas, que criam um campo magnético que acaba por desorientar a bússola dos confiantes marinheiros. Estes aventureiros podiam passar vários dias à deriva, dando voltas em círculos, sentindo o impotente desespero de não ver nada além da neblina, cinza e úmida.
Poucos eram os corajosos que investiam numa busca tão duvidosa, considerada pelos navegantes como outra lenda viva, assim como o monstro do lago Ness. Muitos dos aventurados trás dias de procura, não lhes restava outro remédio que não fosse beber água salgada do mar. Depois de poucos dias tomando uma das águas mais salgadas, o excesso de sal no sangue o tornava grosso, e os fracos humanos se sentiam cansados, débeis, começavam a delirar dizendo palavras inteligíveis, tinham convulsões, e pioravam gradativamente, sofrendo uma morte angustiante e lenta. Os mais lúcidos enlouqueciam e suicidavam-se antes de chegar a tal situação.
A fim de contas, a ilha Kalefka não precisava de muros imponentes, nem de guardas robustos, nem de material bélico para se proteger da exploração de outros países. O clima dos arredores já lhe conferia a proteção necessária. Porém, isso funcionava com uma espada de dois gumes, pois era tão difícil a entrada como a saída. E tornava o lugar isolado, sem contato com outros povos, e os jovens curiosos freqüentemente se perguntavam se existiam outras sociedades além daquele mar bravio. O último relato da visita de algum marinheiro aconteceu há oitenta anos. E pouca informação se tem sobre a pequena tripulação.