domingo, 9 de maio de 2010

Kalefka, 2º capítulo

Em contraste com os arredores, o clima em terra firme já era mais agradável e solene. O sol costumava se apresentar na maioria dos dias, a temperatura era suportável e a amplitude térmica era pequena, típica de um país tropical. Não havia registros na história da ilha de nenhuma catástrofe natural relevante. Contudo, os pescadores só se atreviam a pescar nos caudalosos rios, nunca no mar.
Os bosques eram outra característica peculiar, que diferenciava Kalefka dos outros lugares do mundo, pois não era a cidade ou a população da ilha que os aventureiros europeus desejavam explorar. Havia entre eles uma lenda que contava sobre a “ilha do ouro sem fim”. Era algo que despertava a ambição dos mais modestos tripulantes, que viam nessa lenda uma forma de poder ascender na vida. Os colonizadores que extraiam ouro nas Índias e na América, se atormentavam com o fato de algum dia todo aquele metal precioso acabar, e cedo ou tarde a fortuna desabaria, e sofreriam as conseqüências. Ninguém que adentrou na névoa em busca da ilha saiu com vida, pelo menos não oficialmente. Conta-se entre os náufragos que lá existem abacateiros anormais. Não porque tenham algum sabor fora do comum, além disso, uma pessoa que apenas comesse o abacate não o diferenciaria de outro qualquer. Mas o segredo está na semente. Da mesma forma que o planeta Terra é uma esfera e tem um núcleo pequeno e denso, a semente do abacate compartilha as mesmas características, diferenciando-se pela pequena pepita de ouro no centro. E essas misteriosas árvores crescem naturalmente nos bosques. Não é em vão que tantos metalíferos arriscam suas vidas nessa viagem sem rumo.
Os habitantes de Kalefka não encontraram nenhuma utilidade àquele metal brilhante. Apenas o rei e a nobreza o usavam em seus luxuosos castelos e robustos móveis. Mas com a falta de um comércio externo que pudesse valorizar o ouro, seu uso permaneceu sempre estético, sem maiores vantagens. Por isso, os membros mais ricos da cidade o eram não por possuir o metal mais buscado, mas sim por exercer um poder autoritário e inflexível para com o povo, que há muito tempo deixara de ser nômade.
Portanto, existia uma civilização bem organizada na ilha. Contudo, assemelha-se ao sistema feudal europeu, apenas sem trocas comerciais com outros feudos. Pode-se dizer até que reinava o absolutismo, pois o rei era “o escolhido do Deus”. Assim, o monarca ditava as regras que vinham, segundo ele, direto do céu. Abaixo da figura primordial do rei, estava a nobreza, que constituía sua família e seus amigos. Logo abaixo, estava o clero, que se encarregava de celebrar as comemorações religiosas e alienar o povo, vangloriando a figura do poder absoluto como representante do Deus supremo. Como sustentáculo dessa sociedade, está a plebe, que representa aproximadamente dois terços da população. Eles financiavam as luxuosas construções da nobreza e as vastas igrejas. Suavam todos os dias para que a elite se deliciasse com banquetes variados e saciassem sua gula. Mas eles não se importavam, pois a igreja, difundindo temor, dor e desesperança aos infiéis, se encarregava de orientar a mentalidade do ignorante povão. No local existia um comércio fluente, uma agricultura de bom rendimento, e o gado era rico e saudável. Porém, aos produtores lhes restavam apenas dois quintos de suas produções. Eles se sufocavam trabalhando, suando à luz do sol, enquanto os ociosos da nobreza, o rei e o clero se permitiam dormir doze horas por dia.
Definitivamente, esses aldeões não precisavam dessas sanguessugas. Sorte que eles nunca pegaram em armas. Mas a cidade tinha ferreiros, carpinteiros e fogueiros, então, toda a estrutura para fabricá-las, sorte que o povo ainda era pacífico e alienado. Diante da situação, o povo poderia algum dia refletir sobre o porquê de sua existência ser assim, e se perguntar por que os revoltosos desapareciam sem explicações. Ao parecer, o rei controlava a manada da melhor forma possível, pois ele dominava sem que o povo percebesse que estava sendo dominado. Contudo, essa estrutura poderia mudar quando algum indivíduo carismático e inteligente tirasse as vendas dos olhos da multidão.

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