domingo, 9 de maio de 2010

DEDICATÓRIA AO DIA DAS MÃES

- Eu não pagarei escola particular para que meu filho seja reprovado, passe-o ou eu o tiro dessa escola! – Quem falava era a mãe de um rapaz de sete anos. Estava furiosa e falava de forma eloqüente. O menino foi reprovado em dez matérias, e a mãe não admitia que isso estivesse acontecendo em colégio privado. – Esses professores são muito incompetentes, não são capazes de ensinar ao meu filho o que ele precisa!
Asdrúbal então olhou para o solo, aparentemente reflexivo, colocou as mãos no bolso e tirou seu celular e levantou-o para que a mãe inflexível o visse.
- Minha senhora, eu gostaria que o conhecimento fosse como este celular e as cabeças humanas fossem baús. – Gorete, a mãe do garoto, olhou para o professor à sua frente perplexa e confusa, sem entender bem o que ele queria dizer. – Se assim fosse, abriria a cabeça do seu filho, introduziria o conhecimento e fecharia, da mesma forma como se guarda uma jóia, porém, infelizmente não é assim.
- Olha aqui... garoto, eu não sei do que você está falando, mas eu passo o dia inteiro trabalhando para pagar uma escola boa pro meu filho, então eu quero a aprovação dele. – Disse a mulher, um pouco menos alterada.
Asdrúbal era um professor jovem, mas se preocupava muito com o rendimento e com a educação de seus alunos. Ao olhar um professor tão jovem lecionando, e carregando a responsabilidade de educar o seu filho, Gorete o olhava com receio, mas não se atrevia a tachá-lo de inexperiente.
- O que eu quero lhe dizer, mãe guerreira, é que adquirir conhecimento é uma tarefa árdua e constante, e depende em sua grande maioria da pessoa a qual o capta. As notas baixas de seu filho é fruto do esforço dele a cada dia. Eu não posso fazer a prova por ele, pois é a sabedoria dele que deve ser testada. Seria muito fácil se chegasse à sala de aula e introduzisse meus saberes na cabeça de todos meus alunos, mas isto é impossível. A evolução acadêmica de seu filho deve ser conseqüência de sua atenção, esforço e dedicação, se ele não cumprir estes requisitos não espere que as instituições escolares o façam por ele. – Ditas estas palavras, reinou na sala um silêncio sepulcral, interrompido apenas pelo barulho do ar acondicionado.
- Está dizendo que a culpa de meu menino não estar aprendendo é dele e não dos professores? – Perguntou Gorete, mais calma ainda.
- É o que eu quero lhe dizer, os professores se encarregam ao máximo para lecionar, e depende do aluno captar ou não, questionar, tirar suas dúvidas e crescer como pessoa e estudante. Eu estaria lhe enganando se seu filho tirasse um dois na prova de matemática e eu lhe conferisse um sete, pois ele não está apto para continuar adquirindo conhecimentos cuja base jaz nessas provas anteriores.
- Professor, o senhor me convenceu, não posso cobrar de vocês, devo antes olhar para meu próprio filho.
- Guarde isto, não só para seu filho, mas para qualquer pessoa que queira escutar. A sabedoria é uma jóia valiosa, mas a diferença das outras, ela não ocupa espaço e, portanto, não pode ser furtada. Aí jaz toda a sua grandeza, conhecimento pode ser obtido todos os dias em todos os momentos, por isso eu dedico minha vida a enriquecer e obter uma visão mais ampla do gigantesco mundo que nos rodeia. Sinto prazer em poder compartilhar esses saberes com meus alunos, é uma pena que nem todos sintam o mesmo gosto.
A mãe do garoto então se levantou com um sorriso discreto no rosto e saiu da sala se despedindo educadamente. Asdrúbal então sentiu um fervor dentro de si, sua auto-estima se elevou ao ponto dele sorrir sozinho, compartilhando essa felicidade consigo mesmo.

“Esse texto é dedicado a todas as mães que trabalham o dia inteiro, batalham para satisfazer aos seus filhos e mesmo assim, os auxiliam na árdua tarefa de enriquecer suas mentes. Parabéns!”

Kalefka, 2º capítulo

Em contraste com os arredores, o clima em terra firme já era mais agradável e solene. O sol costumava se apresentar na maioria dos dias, a temperatura era suportável e a amplitude térmica era pequena, típica de um país tropical. Não havia registros na história da ilha de nenhuma catástrofe natural relevante. Contudo, os pescadores só se atreviam a pescar nos caudalosos rios, nunca no mar.
Os bosques eram outra característica peculiar, que diferenciava Kalefka dos outros lugares do mundo, pois não era a cidade ou a população da ilha que os aventureiros europeus desejavam explorar. Havia entre eles uma lenda que contava sobre a “ilha do ouro sem fim”. Era algo que despertava a ambição dos mais modestos tripulantes, que viam nessa lenda uma forma de poder ascender na vida. Os colonizadores que extraiam ouro nas Índias e na América, se atormentavam com o fato de algum dia todo aquele metal precioso acabar, e cedo ou tarde a fortuna desabaria, e sofreriam as conseqüências. Ninguém que adentrou na névoa em busca da ilha saiu com vida, pelo menos não oficialmente. Conta-se entre os náufragos que lá existem abacateiros anormais. Não porque tenham algum sabor fora do comum, além disso, uma pessoa que apenas comesse o abacate não o diferenciaria de outro qualquer. Mas o segredo está na semente. Da mesma forma que o planeta Terra é uma esfera e tem um núcleo pequeno e denso, a semente do abacate compartilha as mesmas características, diferenciando-se pela pequena pepita de ouro no centro. E essas misteriosas árvores crescem naturalmente nos bosques. Não é em vão que tantos metalíferos arriscam suas vidas nessa viagem sem rumo.
Os habitantes de Kalefka não encontraram nenhuma utilidade àquele metal brilhante. Apenas o rei e a nobreza o usavam em seus luxuosos castelos e robustos móveis. Mas com a falta de um comércio externo que pudesse valorizar o ouro, seu uso permaneceu sempre estético, sem maiores vantagens. Por isso, os membros mais ricos da cidade o eram não por possuir o metal mais buscado, mas sim por exercer um poder autoritário e inflexível para com o povo, que há muito tempo deixara de ser nômade.
Portanto, existia uma civilização bem organizada na ilha. Contudo, assemelha-se ao sistema feudal europeu, apenas sem trocas comerciais com outros feudos. Pode-se dizer até que reinava o absolutismo, pois o rei era “o escolhido do Deus”. Assim, o monarca ditava as regras que vinham, segundo ele, direto do céu. Abaixo da figura primordial do rei, estava a nobreza, que constituía sua família e seus amigos. Logo abaixo, estava o clero, que se encarregava de celebrar as comemorações religiosas e alienar o povo, vangloriando a figura do poder absoluto como representante do Deus supremo. Como sustentáculo dessa sociedade, está a plebe, que representa aproximadamente dois terços da população. Eles financiavam as luxuosas construções da nobreza e as vastas igrejas. Suavam todos os dias para que a elite se deliciasse com banquetes variados e saciassem sua gula. Mas eles não se importavam, pois a igreja, difundindo temor, dor e desesperança aos infiéis, se encarregava de orientar a mentalidade do ignorante povão. No local existia um comércio fluente, uma agricultura de bom rendimento, e o gado era rico e saudável. Porém, aos produtores lhes restavam apenas dois quintos de suas produções. Eles se sufocavam trabalhando, suando à luz do sol, enquanto os ociosos da nobreza, o rei e o clero se permitiam dormir doze horas por dia.
Definitivamente, esses aldeões não precisavam dessas sanguessugas. Sorte que eles nunca pegaram em armas. Mas a cidade tinha ferreiros, carpinteiros e fogueiros, então, toda a estrutura para fabricá-las, sorte que o povo ainda era pacífico e alienado. Diante da situação, o povo poderia algum dia refletir sobre o porquê de sua existência ser assim, e se perguntar por que os revoltosos desapareciam sem explicações. Ao parecer, o rei controlava a manada da melhor forma possível, pois ele dominava sem que o povo percebesse que estava sendo dominado. Contudo, essa estrutura poderia mudar quando algum indivíduo carismático e inteligente tirasse as vendas dos olhos da multidão.