domingo, 5 de setembro de 2010

O CRISTO REDENTOR LAMENTA. E CHORA.

Pão de açúcar. Sol. Turismo. Esse é o panorama do Rio de Janeiro na praia paradisíaca de Ipanema, Leblon e outros locais de encontro turístico. Atores, surfistas e gringos passeiam em lugares aonde uma água de coco chega a custar o mesmo que o salário semanal de um subempregado.
Um turista holandês e aventureiro conheceu as praias do litoral, mas pretende ver toda a cidade, e decide caminhar por sua própria conta. Caro amigo gringo, não o faça. Não o faça se ainda tens afeto pela tua vida. Não serás recebido nos morros da forma como o és nas praias, minto, tu não és recebido, teu cartão de crédito que é cobiçado. Evidentemente, não deverás visitar os barracos localizados a menos de meio quilômetro do glamouroso Rio de Janeiro. Glamour, sim, essa é a palavra indicada para a exuberante maquiagem que emana dessa cidade. Apenas maquiagem. O rosto do Rio mostra a miséria e a criminalidade, ocultos por trás do invejável e maravilhoso litoral.
Casebres se situam em morros com profunda declividade, sem assoreamento nem vegetação, colados uns nos outros, no intuito de ocupar o máximo espaço possível. Na década de 50 a instalação de favelas foi incentivada pelo prefeito, vista como “solução” e não como “problema”. E ali se instalaram multidões de pessoas.
Engenheiros e arquitetos há tempos que avisam do perigo desse estado. Nada foi feito. Enfim, as mortes anunciadas de García Márquez ocorreram. Durante os meses de março e abril uma chuva descomunal se alastrou pela cidade, houve deslizamento de terras, destruindo sem piedade os frágeis barracos.
A miséria e o desespero se espalharam como a epidemia da gripe aviária nas primeiras décadas do século XX. Perdas de imóveis, lojas alagadas, carros e motos destruídos; mas isso não é o pior, pois perdas materiais podem ser recuperadas com esforço e dedicação. A pior humilhação é a humana: mortes, falta de água potável, fome, estados de saúde degradantes, crianças desnutridas e traumatizadas, proliferação massiva de doenças. Feridas físicas são recuperadas, porém, essa humilhação psicológica permanece e não sara, da mesma forma que um prego deixa uma marca permanente na madeira. Traumas e más recordações não desaparecem jamais, instalando-se na mente dos mal-afortunados por toda a vida. Para cúmulo, o Estado demorou para atuar, como de costume.
As cifras astronômicas dos tesouros públicos permaneceram imutáveis durante essa catástrofe. Lya Luft comenta em uma de suas impactantes crônicas: “Qual é a real destinação das imensas cifras do impostômetro senão atender às urgências do seu povo?”. Em pleno setembro, falta pouco tempo para as eleições, e os candidatos a postos de poder na política não poupam em propaganda, autopromoção e canções diversas em carros de som. Interessante, eles agora estão presentes cada dia em uma cidade, com os gestos e palestras mais carismáticos, paparicando o povo, evento que se dá com a mesma freqüência do ano bissexto: a cada quatro anos. Porém, pouco se soube deles durante os acontecimentos que deram lugar à destruição de residências no Rio, e durante as chuvas intensas e destrutivas do Nordeste. Altruísmo tem que predominar para governar um país com abismos sociais, onde nós nos apoiamos na beira dos mesmos.


A lavadeira carrega um turbante na cabeça, veste panos rasgados e prendas de roupa, ela se dirige ao rio, para se encontrar com as outras lavadeiras. O rio, denominado Potengi, onde todas elas realizam a lavagem já está saturado de tantas lavagens; o leito do rio se converte em um cemitério fúnebre, e as bactérias passam a comandar as águas abandonadas. Após o serviço ser completado, a lavadeira volta para casa, limpa-a e atira as águas para as ruas do bairro da Ribeira. Um jumento que comia capim se assusta com a água suja que cai ao seu lado e relincha, se deslocando desorientado.
Dois meninos vestidos com bermudas e sem camiseta, imundos, entram correndo na casa, um deles com uma bola na mão. Os dois são recebidos com gritos pela mãe, reclamando com os rapazes por entrarem com os pés sujos.
- Que horas papai chega? – Perguntou o menor.
- Daqui a pouco ele chega... deve estar num engarrafamento na Bernardo Vieira.
As águas que a lavadeira e mãe de família atirou para as ruas públicas não são as únicas. Todas as mães o faziam, e o odor fétido invadia as moradias, as ruas se entupiam de lama e ratos e insetos se proliferavam com uma facilidade fora do comum. Tipicamente uma cena medieval, quando após os anos de ostracismo feudal as cidades voltavam a renascer ao redor dos rios. O senso de higiene era precário, o povo se vestia com panos velhos e manchados e os animais passeavam e defecavam onde mais lhes conviesse.
Um momento... Ribeira? Potengi? Engarrafamento na Bernardo Vieira? Esses lugares e fatos sequer existiam durante a Idade Média! Eles coexistem apenas na cidade de Natal do século XXI, a famosa época das telecomunicações e do capitalismo global. Porém, ainda existem pessoas cujas condições de vida remetem à idade média. As águas percorrem caminhos sinuosos e inundam as ruas, insetos vetores de doenças e ratos vivem livremente, vermes também se proliferam. Doenças aqui e aculá; e a ignorância a qual esse povo está submetido os impede de associar desnutrição, verminoses e febres à falta de higiene, e a peste negra endêmica, denominada nas regiões carentes de “surto de dengue” se alastra não só na microrregião, mas sim por toda a cidade. Vale lembrar que o mosquito transmissor não conhece a hierarquia urbana, o inseto não difere um burguês de um operário.
Um estado de calamidade é o que lhe espera ao próximo presidente, ao próximo governador e para outros senhores de gabinete, e espera-se que em 2010 mudanças possam ser promovidas. Não pense o caro leitor que um profundo sentimento de pessimismo me invade, contudo, este país, cuja economia foi considerada a oitava maior do mundo, ainda deve se homogeneizar de mais em relação à condição social. E a denúncia é a maneira que encontro para fugir da apatia e da indiferença. Enfim, no topo do pão de açúcar jaz o Cristo Redentor, observador dos lugares mais recônditos do Brasil, e ao perceber o estado em que está o país de dimensões continentais, lamenta a situação. E chora.

4 comentários:

  1. É Thiago,um dos teus textos que mais me chamaram a ateção foi este aqui.Apesar de que esses assuntos normalmente só são abordados nas vesperas das eleições,(Que na minha opinião eram pra ser rotineiros) nuca é demais falar sobre isso..porque infelizmente ainda existem pessoas que acham que seu voto não faz diferença,votam por votar e acabam fazendo besteira,até mesmo sem saber. E é sempre bom tentar mostrar e consciêntizar essas pessoas que não tem a "cabeça no lugar" porque quando ja eleitos os nossos, presidentes, governadores e prefeitos, só fazem reclamar e lamentar!
    -- Como sempre.. parabéns A . .M .L, mais um ótimo texto, com um ótimo assunto! Beijos Gringo! Por: Alice Alves.

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  2. Parabéns pelo texto.
    Infelizmente essa é a realidade do país; mas as mudanças devem começar no interior de cada um para que se reflita na sociedade como um todo.

    Camilla Martins.

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  3. OOOI
    Tou te seguindo aqui tbm viu?
    adorei seus textos
    bjsss

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  4. Seria muito bom que o cenário influenciasse o nosso interior. Mas é o interior que influencia o exterior. Tudo começa no mais profundo do ser humano. E quanto mais o ser humano se tornar superficial mais problemas existiram. A violência seja ela física, emocional, espiritual, mental. Sutil ou não. Não deixa de ser violência. E faz com que não cresçamos. Que não desenvolvamos. E que o processo de humanização seja lucanar e degradante. E é isso que não precisamos, mas é isso que é incentivado! Por muitos!

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